Porque recomendamos
Milena Times conduz com delicadeza a história de uma jovem cheia de planos que precisa lidar com uma gravidez indesejada, refletindo também sobre a presença dos personagens que formam sua rede de apoio neste momento inesperado.
Resenha
Em seu curta-metragem Au Revoir, de 2013, Milena Times conta uma história simples. Uma mulher, brasileira vivendo na França, começa uma amizade com a vizinha idosa que acaba de receber um diagnóstico terminal. É comum que curtas apresentem uma linguagem dinâmica ou elementos narrativos extravagantes que tragam algum destaque em seu pouco tempo de tela aos olhos do espectador. Mas Au Revoir não é assim. É uma trama sem muitas ambições, surpresas ou reviravoltas, e composta por banalidades corriqueiras. Duas mulheres começam a conviver um pouco, e uma delas morre. Ainda assim é cativante. Ao dirigir seu primeiro longa-metragem, Milena traz um pouco dessa mesma sensibilidade para contar outra história simples e corriqueira, mesmo que com uma abordagem um pouco mais didática.
Ainda Não É Amanhã é sobre Janaína, uma universitária de dezoito anos que mora no subúrbio de Recife com sua mãe, Luciana, e sua avó, Rita. Nós a conhecemos através de sua rotina, que oscila entre as responsabilidades da faculdade de Direito e o convívio com amigos. É uma daquelas juventudes periféricas cheias de expectativas e potencial, que ao mesmo tempo carregam a perspectiva de um futuro brilhante, fruto de esforço e dedicação, e a pressão de escapar de uma vida cheia de obstáculos sociais e injustiças geracionais. Alguns dias após uma transa com seu ficante, mesmo tendo tomado todos os cuidados, Janaína descobre que está grávida. E ela sente que todas aquelas perspectivas para o futuro entram em risco. Em seus 76 minutos de duração, o filme se dedica às maneiras com que ela lida com esse cenário indesejado, interna e externamente.
A direção de Milena conduz essa narrativa com segurança e sensatez, demonstrando a promessa de uma carreira interessante pela frente. Ainda que essa mesma naturalidade e simplicidade que caracterizam o seu modo de contar histórias possa paracer um pouco contido, fazendo apostas demasiadamente seguras, beirando ao clichê. Me refiro especificamente a algumas das metáforas visuais e sequências de sonhos que ela emprega no filme. Como na cena em que Janaína, logo após descobrir a gravidez, caminha entre as estantes da biblioteca da faculdade e as imagina se fechando sobre ela. Ou a sequência de sonho em que ela vê seus familiares e amigos a encarando dentro de um ônibus. Acaba sendo um uso apenas funcional dessas imagens, exatamente por ser tão lugar-comum. Muito mais eficiente é a cena em que Janaína, após pesquisar métodos abortivos acessíveis, fica observando os chás e raízes pendurados em alguma loja clandestina. O movimento da câmera, o som e a iluminação da cena trazem um estranhamento místico, como se ela estivesse adentrando a caverna de uma bruxa, a ponto de não ficar claro se a cena era real ou outra fantasia.
Essa postura resguardada de Milena na direção não chega a ser problemática. De certa forma ela reflete a já citada simplicidade da história e impulsiona seu caráter de realismo social. Além disso, todas essas características tabém estão representadas nas boas performances do elenco principal. Mayara Santos traz muita personalidade em sua interpretação sutil de Janaína, nos convencendo a sentir afeto e apreensão pela personagem mesmo sem expor muito sobre ela nos diálogos. O filme faz a boa escolha de revelar mais sobre os personages através da interação entre eles. Por exemplo, a figura de Luciana (Clau Barros) tem um papel simultâneo aos olhos de Janaína, que vê a imaturidade da mãe como uma advertência, um futuro que ela precisa evitar para si própria. Mas também representa um porto seguro, junto ao núcleo familiar que ela construiu com Rita (Cláudia Conceição), que por sua vez representa uma presença matriarcal apaziguadora.
São atuações singelas, naturais e confortáveis, que habitam aquelas ruas e casas de Recife com uma normalidade tranquila. Completado por Bárbara Vitória interpretando Kelly, a melhor amiga de Janaína, esse elenco forma uma rede de apoio para a protagonista em um dos momentos mais críticos de sua vida. Afinal, a decisão de interromper uma gravidez sempre será difícil e dolorosa – mas não precisa ser tanto. Não se houver a presença de pessoas próximas oferecendo carinho e estranhos conscientes oferecendo compreensão.
Onde assistir Ainda Não é Amanhã:
Ficha Técnica
Roteiro e direção: Milena Times
Empresas produtoras: Espreita Filmes, Ponte Produtoras, Ventana Filmes
Produção e produção executiva: Dora Amorim, Júlia Machado, Thaís Vidal
Elenco: Mayara Santos, Clau Barros, Cláudia Conceição, Bárbara Vitória, Mário Victor, Guta Menelau e Lalá Vieira
Assistente de direção: Anny Stone
Casting: Bruna Leite
Preparação de elenco: Amanda Gabriel
Direção de produção: Henrique Lapa
Direção de fotografia: Linga Acácio
Gaffer e maquinista chefe: Carlinhos Tareco
Direção de arte: Lia Letícia
Figurino: Libra Lima
Caracterização: Andrea Afonso
Som direto: Martha Suzana
Desenho de som, mixagem e trilha original: Nicolau Domingues – A3PS
Montagem: Marina Kosa
Colorista: Brunno Schiavon
Design do cartaz: Diana Barros e Mayumi Matsumiya

Bruno Weber é formado em Rádio e TV pela Fundação Cásper Líbero e em Produção Audiovisual pela ETEC Roberto Marinho, e atua como quadrinista e crítico de cinema. Seus trabalhos podem ser vistos nas redes sociais, como a série ”Cenas Deslembradas de Filmes Esquecidos”, tirinhas autobiográficas e quadrinhos diversos. Além disso, escreve resenhas de filmes para blogs como Cinematografia Queer e a plataforma Peliplat, por onde cobriu a 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.