Porque recomendamos
O imperdível longa de Jorge Furtado entretem ao falar sobre o processo de se fazer cinema, ao mesmo tempo que é um catálogo de personagens carismáticos interpretados por grande atores. O filme está sendo relançado pelo projeto Sessão Vitrine Petrobrás.
Resenha
A maior virtude do cinema é que ele é contagiante. Pode-se dizer isso sobre qualquer forma de arte, é verdade. Mas se uma pessoa pode descobrir uma paixão repentina pela pintura ou pela música, o ato de fazer cinema se destaca por seu caráter coletivo. Se faz cinema em grupo. Pessoas com funções e intenções diferentes que vão infectando umas às outras com a vontade de que um filme novo exista nesse mundo. Jorge Furtado, como qualquer bom diretor, conhece essa sensação. Tanto que ele a aborda em 2007, quando lança seu quarto longa metragem: Saneamento Básico – O Filme, que retorna aos cinemas em cópia restaurada.
O filme nos apresenta o vilarejo de Linha Cristal, na Serra Gaúcha, cuja comunidade enfrenta um problema. Seu sistema de esgoto precisa de obras de saneamento para recuperar o arroio do município, e livrar seus moradores do mau cheiro que domina o lugar. Marina, uma das moradoras, se compromete com a causa e toma a iniciativa de solicitar à prefeitura a verba para a construção de uma fossa, mas descobre que não haverá espaço no orçamento para uma obra assim. No entanto, há verba cultural, que pode ser usada na produção de um filme. Então, Marina traça um plano com seu marido, Joaquim, para pegar o dinheiro e utilizar o mínimo para produzir um filme de baixo orçamento, deixando o resto para as obras de saneamento do arroio Cristal. O que Marina não antecipava era o quanto o projeto de fazer um filme começaria a encantá-la, assim como a todos os envolvidos.
Interpretada por Fernanda Torres, ótima como sempre, Marina já indica possuir uma veia artística oculta durante a abertura do filme. Sua narração em off surge parecendo falar com os espectadores na platéia do cinema, quando na verdade é o começo de uma reunião dos moradores. E ao ler em voz alta sua carta ao prefeito solicitando a verba da obra, ela começa o texto citando poesia. Wagner Moura, que interpreta Joaquim, oferece ao mesmo tempo um contraponto e uma fonte de apoio moral para Marina. A interação de marido e mulher, totalmente amadores no audiovisual, descobrindo juntos a sua própria linguagem cinematográfica, é um dos pontos altos da história. Como no momento em que eles se confundem sobre o significado do termo “ficção”, ou quando Joaquim tem a inspiração de fazer um filme sobre um monstro que habita a fossa, ou a admiração dele por Marina por escrever o roteiro e ter a ideia de fazer uma câmera subjetiva – apesar de não possuir o conhecimento técnico. “Eu vi num filme. O monstro… Assim… com a câmera atrás da árvore, sacudindo. Sabe?”
O roteiro de Jorge Furtado traz outros personagens, tão carismáticos e engraçados quanto Marina e Joaquim, que também acabam se envolvendo e sendo afetados pela produção de “O Monstro da Fossa”. Silene (Camila Pitanga), a irmã de Marina que aceita protagonizar o filme, e tanto a atuação quanto a perspectiva de “estrelato” sobem à sua cabeça. O pai delas, Seu Otaviano (Paulo José), se mantém totalmente cético com o projeto, mas não consegue deixar de demonstrar apoio para as filhas. E quando precisam que ele participe de uma cena, se empolga mais do que esperava. E o namorado de Silene, Fabrício (Bruno Garcia), o típico playboy de cidade pequena, que se une ao projeto porque é o único que tem uma câmera. Quando começam a temer que o filme não dê certo, eles apelam para alguém de fora do vilarejo: o montador Zico – Lázaro Ramos, mais uma vez trabalhando com Furtado após O Homem Que Copiava e Meu Tio Matou Um Cara. É todo um elenco que se entrega a essa comédia singela, se aprofundando em personagens que chegam a parecer caricatos, mas apenas na superfície. Porém é Fernanda Torres quem se destaca, com seu timing de comédia e expressividade sincera concedendo a Marina um entusiasmo e vulnerabilidade cativantes.
Talvez seja o sucesso internacional recente de Torres por Ainda Estou Aqui que justifique primeiramente o lançamento dessa nova restauração. E entre os vários filmes dos quais participou, Saneamento Básico pode ter o maior potencial de atrair um grande público, tanto pela bilheteria da época de sua estréia original em 2007, quanto por desfrutar até hoje de popularidade e carinho especial nas redes sociais. Mas a verdade é que o cinema brasileiro, assim como no resto do mundo, se alimenta da própria memória. Revisitar e celebrar suas maiores conquistas é uma forma de incentivar suas novas vozes. O cinema pode ser coletivo, mas ele começa a ser amado individualmente, no olhar do espectador. Afinal, Marina foi lá e fez um plano subjetivo, mesmo sem saber o nome.
Onde assistir Saneamento Básico – O Filme:
Ficha Técnica
Roteiro e Direção: Jorge Furtado
Produção Executiva: Nora Goulart e Luciana Tomasi
Produtora: Casa de Cinema de Porto Alegre
Elenco: Fernanda Torres, Wagner Moura, Camila Pitanga, Bruno Garcia, Janaína Kremer, Lázaro Ramos, Tonico Pereira, Paulo José
Direção de Fotografia: Jacob Solitrenick
Direção de Arte: Fiapo Barth
Figurinos: Rosângela Cortinhas
Som Direto: Rafael Rodrigues
Música: Leo Henkin
Montagem: Giba Assis Brasil
Mixagem: José Luiz Sasso

Bruno Weber é formado em Rádio e TV pela Fundação Cásper Líbero e em Produção Audiovisual pela ETEC Roberto Marinho, e atua como quadrinista e crítico de cinema. Seus trabalhos podem ser vistos nas redes sociais, como a série ”Cenas Deslembradas de Filmes Esquecidos”, tirinhas autobiográficas e quadrinhos diversos. Além disso, escreve resenhas de filmes para blogs como Cinematografia Queer e a plataforma Peliplat, por onde cobriu a 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.