Porque recomendamos
Um cruzamento de gêneros, o filme leva o faroeste ao sertão de Goiás para retratar uma masculinidade violenta de homens abandodanados às suas próprias mesquinharias. Com Babu Santana e Ângelo no elenco, o filme também encontra uma presença cativante no ator Rodger Rogério.
Resenha
Oeste Outra Vez consegue realizar muita coisa com aparentemente poucos elementos. O novo filme de Erico Rassi é simultaneamente repleto de silêncios significativos e de diálogos pitorescos e engraçados, ainda que mantenham uma naturalidade bem realista. É uma desconstrução inteligente do gênero do western, com muitos de seus símbolos visuais mais marcantes, ao mesmo tempo que oferece uma análise profunda da masculinidade em crise. É um drama, uma comédia, um filme de estrada… e uma carta de amor à música brega de sofrência. Sério, o filme se inicia e se encerra com canções do Nelson Ned, o que por si só já é um motivo para assisti-lo numa sala de cinema e poder ouvir Tudo Passará a todo volume.
Os paralelos com os clássicos do faroeste já aparecem logo nas primeiras imagens do filme, que nos revelam a paisagem árida do sertão de Goiás. E vemos a figura sisuda de Totó (Ângelo Antônio), sentado em seu carro enquanto espera por algo. Uma nuvem de poeira se levanta, e surge então outro carro na estradinha de terra. É dirigido por Durval (Babu Santana), e Totó o corta numa emboscada. Se iniciam aí as quebras de expectativa com o gênero. Ambos saem do carro e, sem dizer nenhuma palavra, começam a brigar. Uma luta tão violenta quanto sem graça, quase infantil. Além de desproporcional, com a figura diminuta de Totó apanhando feio do gigante Durval. Logo em seguida surge a personagem mais importante da história, mesmo que ela só apareça em tela por alguns segundos. A porta do carro de Durval se abre, e Luiza se levanta do banco de passageiro e vai embora, deixando os dois para trás. Interpretada por Tuanny Araujo, ela é a única mulher que aparece no filme. E seu simples ato de ir embora nessa cena define toda a trama. A partir daí, Oeste Outra Vez se torna um filme de homens. Ou melhor dizendo, de homens abandonados.
Nessa desavença pelo amor de Luiza, Totó decide contratar alguém para matar seu rival. O pistoleiro aposentado e contador de causo Jerominho (Rodger Rogério) promete se encarregar do assassinato de Durval. Mas quando o plano dá errado, Totó e Jerominho precisam fugir juntos, sem saber com certeza se estão sendo perseguidos por outros pistoleiros. Novamente, vários clichês de faroeste. Mas ao contrário das figuras quase míticas que os filmes de bang-bang americanos criavam, a direção e o roteiro de Erico Rassi fazem questão de pontuar o quanto esses homens são ridículos. E até um pouco patéticos. Ao mesmo tempo que nos obriga a sentir algum afeto pelos personagens.
É difícil não se compadecer por esses garotos em corpo de adulto, se fingindo de valentões. “Você quer ver meu muque?”, pergunta Jerominho para Totó enquanto jogam conversa fora, e levanta a manga da camisa larga pra mostrar cheio de orgulho um bracinho magro. Aliás, num filme cheio de boas atuações, Rodger Rogério cria em Jerominho a sua figura mais complexa e cativante. Um velhinho obcecado pela própria fama de mau, mas incapaz de esconder suas vulnerabilidades e inseguranças. O papel originalmente seria do falecido Nelson Xavier – que interpretou um personagem similar em Comeback, outro filme de Rassi. Mas o próprio diretor contou, num debate após a pré-estreia do filme, como Rogério impressionou no teste de elenco.
Ainda assim, no geral todo o elenco está afinado na criação desse ambiente desprovido de mulheres. Cada um deles, em suas palavras e ações, mostra as consequências de viver nessa cidadezinha de interior, que mesmo habitada, parece uma cidade fantasma. Uma colônia de homens tristes, que decoram as ruas com lixo jogado com descaso e um pouco de antipatia. Que não sabem como ter intimidade com alguém, e se comunicam apenas com violência. Incapazes de confessar qualquer fragilidade. “Fatalmente famintos de amor”, como escreveu Tchekhov. Mas quando Nelson Ned começa a cantar, de repente se entregam à emoção.
https://youtu.be/1Gay6A1q9Dk?feature=shared

Bruno Weber é formado em Rádio e TV pela Fundação Cásper Líbero e em Produção Audiovisual pela ETEC Roberto Marinho, e atua como quadrinista e crítico de cinema. Seus trabalhos podem ser vistos nas redes sociais, como a série ”Cenas Deslembradas de Filmes Esquecidos”, tirinhas autobiográficas e quadrinhos diversos. Além disso, escreve resenhas de filmes para blogs como Cinematografia Queer e a plataforma Peliplat, por onde cobriu a 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.