Porque recomendamos
O filme funciona como uma antologia de momentos que construíram a carreira Ney Matogrosso, contando com o talento imenso de Jesuíta Barbosa para representar um dos artistas mais conhecidos da cultura brasileira e com a direção competente de Esmir Filho.
Resenha
Há algumas figuras da cultura popular que ganham o status de “míticas”. Nomes que carregam em si tanta história e influência que a sua simples menção já é o suficiente para transmiti-las. Ainda assim, inevitavelmente, cinebiografias serão feitas sobre eles. No Brasil, Ney Matogrosso é um desses nomes. E sua cinebiografia inevitável acaba de chegar aos cinemas, com direção de Esmir Filho, com Jesuíta Barbosa no papel principal, e com o próprio Ney Matogrosso colaborando na produção. Juntos, eles oferecem um filme que, mesmo carregado com vários dos problemas habituais de filmes desse tipo, ainda encanta e emociona.
É possível fazer comparações entre esse Homem Com H e outras duas produções recentes: Better Man e Rocketman, as respectivas cinebiografias de Robbie Williams e Elton John. Os filmes sobre esses dois cantores britânicos possuem o ponto em comum de contarem com a colaboração direta dos mesmos, sendo retratos bem honestos do artista e do habitat cultural que o gerou. Além disso, é interessante perceber as semelhanças entre a história de Elton John e Ney Matogrosso. Ambos filhos de pai militar emocionalmente distante e abusivo, criados num lar conservador e que adotaram os visuais exagerados e teatrais como marca registrada ao se lançarem na carreira artística. A principal diferença de Homem Com H para com esses dois exemplos é que Ney passou razoavelmente incólume pelos seus anos de sucesso. Não é apresentada a mesma queda no vício em drogas ou o conflito com a sexualidade que marcou as histórias de Williams e John. O filme transmite a imagem de um Ney seguro de si desde a infância, e seus maiores dilemas pessoais partem das relações com o pai, com Cazuza e com Marco de Maria.
Por isso, o filme serve mais como retrato do Ney artista. Seus métodos e referências, mas principalmente, suas músicas. A sequência de abertura começa com ele ainda criança (Davi Malizia) olhando para a floresta próxima de sua casa, com um misto de assombro e atração. A imagem do garoto adentrando a floresta se intercala com o Ney já adulto, em sua primeira apresentação solo após a separação dos Secos e Molhados. Esse paralelo entre os dois Neys em dois tempos transmite a ideia de descoberta, como se a forma já totalmente desenvolvida de Ney Matogrosso, adornado de sua maquiagem e figurino elaborados sobre o corpo seminu fosse uma descoberta do Ney criança, uma criatura fantasiosa que ele encontra na selva. Mas também um reflexo do qual ele vai se aproximando. São elementos mostrados e não simplesmente contados. A direção competente de Esmir Filho brilha mais quando foge do óbvio das cinebiografias de músicos. Uma cena mostra Ney na infância acompanhando a mãe numa apresentação de teatro de revista. Em outra, os exercícios que Ney pratica em seu treinamento na Aeronáutica remetem aos movimentos que ele fará no futuro em frente às platéias. São formas elegantes de contar como Ney Matogrosso foi sendo construído. Esmir também faz uso de metáforas visuais interessantes. A cobra de estimação que Ney teve nos anos 80 se aproximando dele de forma ameaçadora para no final não mordê-lo é uma representação quase fantasmagórica da epidemia de Aids. É assim também no momento em que a escuridão abruptamente engole Cazuza durante o show que Ney dirigiu, e o ato dele desligar o último ponto de luz sobre o palco ganha o mesmo significado de uma flor em cima de um caixão.
Homem Com H só falha por seu caráter episódico, ao não apresentar um foco narrativo além de “essa é a vida de Ney Matogrosso”, tornando-se em seus momentos menos ambiciosos quase um artigo da Wikipédia em forma de filme. Além disso, a decisão de colocar Jesuíta fazendo lipsync com gravações da voz original de Ney provoca estranhamento em algumas cenas. Realmente, nenhum treino de canto conseguiria que a voz naturalmente mais grave do ator imitasse bem os agudos que Ney alcança em suas canções mais famosas. E acaba sendo uma forma de preservar e até mesmo celebrar a identidade do artista cuja história está sendo contada. Mas quando a ilusão não funciona, fica um pouco óbvio que não é Jesuíta quem está cantando. Fora isso, sua atuação como Ney Matogrosso é fenomenal. A maquiagem e a caracterização ajudam, mas é o ator que realmente convence que estamos vendo vários anos da vida da mesma pessoa. Ao adotar os olhares e os trejeitos marcantes da figura real, Jesuíta não parece estar meramente imitando. Ele parece possuído. E mesmo que não seja sua voz ali, a energia que ele apresenta nas várias performances (e nas várias transas) parece vir do próprio Ney.
Onde assistir Homem Com H:
Ficha Técnica
Direção e Roteiro: Esmir Filho
Produção: Marcio Fraccaroli, André Fraccaroli, Veronica Stumpf, Patricia Galucci
Coordenação de Produção Executiva: Mariana Marcondes
Produtor Executivo: Adrien Muselet
Produtora: Paris Filmes
Distribuição: Paris Filmes
Elenco: Jesuíta Barbosa, Romulo Braga, Hermila Guedes, Bruno Montaleone, Caroline Abras, Mauro Soares e Lara Tremouroux
Direção de Fotografia: Azul Serra
Montagem: Germano de Oliveira
Composição: Gui Amabis, Rica Amabis
Direção de Arte: Thales Junqueira
Figurino: Gabriela Monnerat
Design de Som: Martín Grignaschi, Lucas Page
Mixagem de Som: Armando Torres Jr.
Direção de Produção: Letícia Fiochi, Isadora Pacheco

Bruno Weber é formado em Rádio e TV pela Fundação Cásper Líbero e em Produção Audiovisual pela ETEC Roberto Marinho, e atua como quadrinista e crítico de cinema. Seus trabalhos podem ser vistos nas redes sociais, como a série ”Cenas Deslembradas de Filmes Esquecidos”, tirinhas autobiográficas e quadrinhos diversos. Além disso, escreve resenhas de filmes para blogs como Cinematografia Queer e a plataforma Peliplat, por onde cobriu a 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.